25 DE ABRIL: A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E O DESPERTAR DE UMA GERAÇÃO EM ANGOLA.

Hoje, dia 25 de Abril, as nações, os povos e os Estados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), espalhados pela mundo, reflectem sobre a dimensão histórica do Golpe de Estado, ocorrido há 50 anos em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974. Um acontecimento de grande magnitude política. Marcou de forma enfática a evolução política dos povos que viveram durante longas décadas sob o jugo do sistema colonial português. Eu tinha na altura 22 anos. Francisco Duarte Alegre, Embaixador de Portugal em Angola, proferiu, na Academia Diplomática Venâncio de Moura, no dia 19 de Abril de 2024, uma palestra subordinada ao tema “ A Revolução de Abril: Ponto de viragem do relacionamento Portugal-Angola”. Na altura, sublinhou o seguinte: “a nossa revolução foi feita por militares que combateram numa guerra sem saída, contra a marcha da história. A ditadura estava bloqueada a recusava-se a negociar. A liberdade dos portugueses era indissociável dos africanos.”

Por conseguinte, a luta heróica dos movimentos de libertação, desempenhou um papel decisivo para desencadear o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, conhecido como a Revolução dos Cravos. Essa luta prolongada de libertação, travada com armas na mão, por nacionalistas da FNLA, do MPLA, da UNITA, da FRELIMO e do PAIGC, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, transformara-se num fardo pesado para o governo colonial português, não só em termos económicos, mas também em termos humanos. Provocou à emergência de um forte movimento de descontentamento no seio das forças armadas e da sociedade civil portuguesa.

As Notícias Sobre o Golpe de Estado
A notícia do golpe de Estado chegou até nós, num misto de boatos e relatos fragmentados. Apesar da distância e da comunicação não ser tão imediata como hoje, sentimos que algo grandioso tinha acontecido. A notícia de que o regime opressivo tinha sido derrubado em Portugal por militares e civis que exigiam a democracia e o fim das guerras coloniais, foi como um raio de esperança que trespassava a cortina de repressão que também vivíamos em Angola. Percebíamos que a queda da ditadura em Portugal teria implicações profundas para Angola. O regime colonial estava intrinsecamente ligado ao governo português. Qualquer mudança em Portugal sinalizava mudanças no “ status” colonial. Esta percepção gerou uma mistura de emoções entre nós.

Havia, de facto, muitas expectativas. Via-se isso nas conversas e discussões sobre o que o futuro poderia trazer. Fervilhavam os debates e as conversas, nos corredores dos liceus, das universidades e nos locais públicos da cidade. Conversávamos sobre liberdade, sobre a independência e como poderíamos contribuir para a construção de uma nova Angola. A ideia de que também poderíamos ser agentes de mudança ganhava a cada minuto que passava mais corpo. Simultaneamente, havia uma certa ansiedade sobre como a transição iria ocorrer e que desafios enfrentaríamos no caminho para a autodeterminação.

A Minha Geração e o 25 de Abril
Quando o 25 de Abril de 1974 eclodiu, encontrávamo-nos no auge da nossa juventude, na antiga cidade de Nova Lisboa, hoje conhecida como Huambo. Situada no planalto central de Angola, era uma das principais cidades da ex-província ultramarina de Portugal em África. Verde e vibrante, transbordava de energia dos jovens estudantes vindos das Missões Evangélicas, e não só. Na década dos anos sessenta do século XX, aqueles que tiveram oportunidade, tinham sido acolhidos na Residência Académica, construída no bairro Académico da mesma cidade. Um lar para estudantes das Missões do Bailundo, do Dondi, do Bunjei, da Chissamba, do Chilesso e do Kuma.

Naquela época, Nova Lisboa era um centro efervescente de atividades intelectuais, académicas, culturais e desportivas, apesar das tensões políticas, exacerbadas pela acção da PIDE-DGS. O contexto era de luta e esperança pela conquista definitiva da liberdade. Já se sentiam os efeitos, não só da luta clandestina nas cidades, mas também da acção das guerrilhas dos Movimentos de Libertação, que operavam no Norte e no Leste do território. Foi durante esse período, que apareceram, na Missão do Bailundo, jovens músicos talentosos, alguns vindos do Norte de Angola, como Biela e Bedy. Tocavam viola com grande habilidade e cantavam canções revolucionárias do Congo. Ligados à igreja, estes jovens eram claramente activistas, disfarçados de estudantes.

Com o andar do tempo, a Residência Académica, transformou-se num lar temporário e num vasto espaço de encontro e reencontro de culturas, tradições e ideias. Era, de facto, um centro multicultural de excelência para a nossa formação cívica, moral e cultural. Era um espaço de tolerância e inclusão cultural. A Residência e a cidade, haviam-se tornado mais que lugares para viver; constituíam um espaço de intercâmbio cultural e intelectual, onde partilhávamos experiências, conhecimentos, desafios, expectativas e esperanças entre negros, brancos e mestiços progressistas da nossa geração.

O Papel das Missões
A estrutura de gestão das Missões Evangélicas era relativamente autónoma em relação ao poder colonial português. Os seus dirigentes, geralmente missionários, de nacionalidade americana e canadiana, encarregavam-se da gestão administrativa das instituições religiosas, incluindo a Residência Académica. Na nossa época, era o missionário Reverendo Larry Henderson, quem cuidava da gestão do Lar Académico. Foi nesse período que conheci o Bispo Emídio de Carvalho, inicialmente na missão de Dondi e, posteriormente, nas suas palestras dirigidas aos alunos no auditório da Residência Académica de Nova Lisboa.

Apesar das tensões políticas que marcaram essa época, a cidade de Nova Lisboa destacava-se pela intensidade das suas actividades religiosas e académicas. As aulas e as discussões frequentemente ultrapassavam as salas de aula. Invadiam os corredores e os espaços comuns da residência, onde conversas sobre política, liberdade e o futuro de Angola eram comuns. Um dia, em plena sala de aulas, no 5º ano, do Liceu Nacional Norton de Matos, a minha professora de geografia, interrompeu-me dizendo que “ eu falava como um terrorista.”

O 25 de Abril Uma Chama de Esperança
Por essa razão, o 25 de Abril, fruto da luta dos movimentos de libertação, representou para a nossa geração, uma chama de esperança. O seu ímpeto alimentou os nossos sonhos, aspirações e as nossas discussões sobre uma Angola livre e independente que surgia no horizonte. A notícia da Revolução dos Cravos em Portugal alcançou rapidamente a nossa comunidade, gerando um misto de entusiasmo e incerteza. Percebemos que as mudanças em Portugal poderiam significar uma aceleração, rumo à independência de Angola. Este pensamento reacendeu em nós a esperança de que a luta pela liberdade, pela qual tantos angolanos já haviam sacrificado tudo e tanto, estaria finalmente a alcançar o topo da montanha. Enquanto celebrávamos a possibilidade de mudança e liberdade, estávamos igualmente conscientes dos desafios que viriam. Sabíamos que a jornada para a independência poderia ser turbulenta, mas estávamos ansiosos por contribuir para a construção de uma nova nação, enraizada nos ideais de justiça e de igualdade.
Por isso, o 25 de Abril foi um marco de grande alcance político, e um catalisador que transformou as nossas vidas e as nossas aspirações. Impulsionou-nos a imaginar um futuro onde seríamos livres para moldar o destino de Angola, guiados pelos princípios que nos uniam naquela vibrante comunidade da cidade de Nova Lisboa. Enquanto estudantes, vivíamos num mundo que oscilava entre o rigor académico e a crescente consciencialização política. A educação não era apenas uma busca do conhecimento, mas também uma janela para o mundo em mudança ao nosso redor. Éramos jovens curiosos, ávidos por entender e participar dos eventos que moldavam o nosso futuro. A influência desse evento em Portugal sobre a nossa juventude em Nova Lisboa foi profunda, inspirando-nos a imaginar e lutar por um mundo onde fôssemos os protagonistas de nossa própria história.

Alcides Sakala

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