Começaram a cair no país e no planalto central em particular, as primeiras chuvas do ano. Extraordinário! São águas benfazejas. Caíam do céu com alguma timidez, como pequenas gotas cristalinas, impelidas pela brisa que espalhava o perfume penetrante da terra molhada. Com elas, desponta o verde na natureza que deleita as nossas vistas, com cores que se perdem no infinito do horizonte. Colorações agradáveis ao espírito. Representam, de facto, a esperança e o rejuvenescimento da vida, num contexto social de pobreza extrema, minado por inúmeras dificuldades e assimetrias. É o ciclo da vida e da natureza que se renova no seu movimento dialético.
Percorremos, nesse último fim de semana prolongado, que começou na sexta-feira, a Estrada Nacional 120. Partimos de Luanda para as terras altas do planalto central, passando pelo Dondo, com paragem obrigatória na ponte da nova albufeira do rio Cuanza que alimenta a barragem de Cambambe. Depois pela Quibala e Wuaku-Kungo, província do Cuanza Sul e, finalmente Bailundo, como destino. A estrada foi palco, nos dois sentidos, de um intenso tráfego rodoviário.
À medida que avançávamos para o nosso destino, pressentia-se o desejo de muitos motoristas e passageiros que circulavam em caravana, outros solitários, de chegarem ao seu destino, de se juntarem às suas famílias, aos seus amigos e conhecidos.
Alguns, mais apressados, circulavam a alta velocidade, fazendo ultrapassagens de risco. Outros, mais comedidos e conscientes, conduziam com muita atenção, respeitando os limites de velocidade. Mas todos passavam lenta e livremente pelos postos de controle dos reguladores de trânsito sempre atentos, mas sem os habituais constrangimentos de paragem obrigatória por razões de controle pandémico. Já não existiam os famosos cones que obrigavam a paragens obrigatórias. Eram, certamente, cidadãos que procuravam desfrutar a frescura e a tranquilidade das pequenas cidades, vilas e aldeias do interior, situadas nas terras altas do país, lá onde se desfruta o perfume da terra molhada, suavemente regada pelas primeiras chuvas de setembro.
Apesar desta aparente alegria e liberdade de viajar, com o fito de se aproveitar ao máximo todos os minutos da vida, de um fim de semana prolongado, num contexto que alguém caraterizou de “ ganhos da paz ”, os motoristas enfrentavam com dificuldades e em ziguezague, os buracos existentes no troço entre as localidades de Catete e Maria Teresa. Um pedaço de estrada martirizante, não só para os motoristas, mas também para os passageiros e respectivos veículos. Um troço que tem piorado nos últimos anos, com danos significativos para as viaturas que se vai agravar neste período de chuva. É incompreensível que ninguém se interesse pela sua reabilitação, sendo parte de uma importante via de circulação de bens e pessoas que se dirigem para o centro, sul e nordeste do país. Por esses buracos que são autênticos pontos críticos, circulam também membros do governo, nas suas viaturas de luxo, com vidros esfumados, indiferentes ao estado da via. Talvez um dia, quando o Presidente da República decidir passar por esse troço, da Estrada Nacional 120, há de melhorar, a exemplo de outros existentes no país.
Terminada a visita de 48 horas, preenchida com a construção de campas no cemitério da Missão do Bailundo e com a realização de uma conferência no Centro Cultural de Bailundo, no mesmo dia 18, e tendo chovido nessa tarde, o que alguns consideraram de bênção, deixámos a cidade do Bailundo, nas primeiras horas de domingo, 19 de Setembro de 2021, de regresso a Luanda.
Decidimos partir cedo, a coberto de uma manhã cinzenta, como prelúdio de novas chuvas. Fazia imenso frio. A nossa primeira paragem foi no posto de combustível da Sonangol, na localidade de Alto Hama, um nó estratégico de ramificação de várias vias para as cidades do Lobito, Huambo, Luanda, Cuíto e Menongue. Era uma espécie de placa giratória que dava sentido para todas as direções.
Com a sorte que nos acompanhava, dada a escassez de gasolina na região, e após uma breve saudação do Director das bombas de gasolina, conseguimos abastecer as nossas viaturas, quando vimos surgir as primeiras motos no local. Eram imponentes. Conduzidas por homens e mulheres experientes, de todas a cores e idades. Simpáticos e amigos da liberdade. Eram vários grupos de motoqueiros. Fomos informados mais tarde que de entre eles se destacavam os “amigos da picada”. Disseram-nos também que praticavam acções humanitárias, fazendo doações à instituições de caridade. Vestidos com indumentaria própria, e carregando equipamentos diversos para as circunstâncias , incluindo capacetes modernos, estas mulheres e homens, destemidos amigos da estrada, andavam em grupo, com muita disciplina e velocidade, e em coluna por um, com as luzes acesas. A sua passagem ao longo da estrada deleitava a população que lhes saudava efusivamente. Ainda tirámos algumas fotografias nessas bombas de gasolina. Desapareceram como apareceram. Velozes como o vento.
Retomámos, em seguida, a nossa marcha para Luanda ao ritmo da prudência, parando nos mercados de circunstância, plantados ao longo da estrada. Todos paravam. Compravam um pouco de tudo. Desde a batata doce, a fuba de milho e de mandioca, a banana, cebola, tomate, abacate, cenoura, alho e feijão, produtos produzidos nas redondezas. A terra é de facto generosa.
Ao princípio da tarde, depois de várias horas de marcha, “ os amigos da picada” passaram novamente por nós. Já o grupo era maior e em grande velocidade, nas cercanias de Maria Teresa. Escurecia, quando chegámos a Viana, são e salvos, encerrando assim o programa da nossa viagem.
Alcides Sakala
Luanda, 23 de Setembro de 2021